CONCORDÂNCIA VERBAL
Nao! Nós vamos!
O
verbo "haver"
"Haviam vários trabalhadores" ou "Havia vários
trabalhadores"?
"Haja
paciência!" Todos já ouvimos essa expressão. Esse "haja" é o
verbo "haver" no presente do subjuntivo. Esse verbo talvez seja o
mais desconhecido quanto às suas flexões. Muitas vezes é usado sem que o
usuário tenha consciência de que o está usando.
Estive aqui há
dez anos.
O
"há" presente na oração é o verbo "haver" e pode ser
trocado por outro verbo: "
Estive aqui faz dez anos".
Existem
deslizes típicos de quem não conhece as características do verbo
"haver".
Quando se diz "Há muitas pessoas na sala",
conjuga-se o verbo "haver" na terceira pessoa do singular do presente
do indicativo. Note que não foi feita a concordância do verbo "haver"
com a palavra "pessoas". Não se poderia dizer "Hão
pessoas".
O
verbo "haver", quando usado com o sentido de "existir",
fica no singular. O verbo "existir", sim, flexiona-se
normalmente:"Existem muitas pessoas na sala".
A
confusão tende a aumentar quando o verbo "haver" é usado no passado
ou no futuro. Em certo trecho, a versão feita pelo conjunto "Os
incríveis" da canção "Era um garoto que como eu amava os Beatles e os
Rolling Stones" diz:
Não era belo, mas
mesmo assim havia mil garotas a fim....
Nessa
canção o verbo "haver" foi empregado com o sentido de "existir".
Logo, está correta a versão com o verbo no passado e no
singular.
No
Brasil, diz-se "cabe dez", "sobrou 30", "falta
30". Geralmente não se faz concordância. Mas, quando não é necessário
fazer, erra-se. "Houveram muitos acidentes naquela rodovia". Essa
construção está equivocada.
As construções abaixo estão corretas:
Houve muitos
acidentes naquela rodovia.
Haverá muitos acidentes naquela rodovia.
Há vários trabalhadores filiados a essa associação.
Havia muitos trabalhadores filiados a essa associação.
Houve muitos trabalhadores filiados a essa associação.
Vale
repetir: "O verbo "haver", quando empregado com o sentido
de existir, ocorrer, acontecer, fica no singular, independentemente do tempo verbal.
O
verbo "existir"
"Existe pessoas" ou "Existem pessoas"?
Já
comentamos várias vezes, no "Nossa Língua Portuguesa", que no Brasil,
na língua do dia a dia, a concordância nem sempre é respeitada. O verbo
"existir" é umas principais vítimas desse desrespeito.
Tomemos a
letra de uma canção, "Firmamento", gravada pelo Cidade Negra, para
exemplificar o seu funcionamento:
... você não
sai da minha cabeça
e minha mente voa
Você não sai, não sai, não sai, não sai...
Entre o céu e o firmamento
existem mais coisas do que julga
o nosso próprio pensar
que vagam como o vento
e aquele sentimento de amor eterno
Entre o céu e o firmamento
existem mais coisas do que julga
o nosso próprio entendimento
que vagam como o vento
e aquele juramento de amor eterno.
Está
corretíssima a construção "existem mais coisas". O verbo
"existir" sempre tem sujeito e, portanto, deve concordar com ele.
Se
o sujeito é plural, esse verbo também deve aparecer no plural:
Existem coisas.
Existem pessoas.
Existem situações.
Vamos
ver outro verbo que nem sempre anda na linha. A canção é "O ponteiro tá
subindo", gravada pelo Camisa de Vênus:
Olhei para o
relógio
e já era quase três
o que aconteceu
eu vou contar para vocês
e eu tentando entender
fazendo rock’n’roll
até o amanhecer.
Na
letra do Camisa de Vênus o ponteiro pode estar subindo, subindo, mas a
concordância desceu a ladeira. No verso "e já era quase três", uma
referência a horário, a concordância não foi corretamente observada. O verbo
"ser", na indicação de horário, deve concordar com o número de horas:
Já é uma
hora.
Já são duas horas.
Já são três horas.
Sempre
é bom lembrar que a concordância com meio-dia, meia-noite e uma hora é feita
sempre no singular:
Já é
meio-dia.
Já é meia-noite.
Já é meio-dia e quarenta e sete.
Já é uma e quinze.
Mais
alguns exemplos:
Duas e cinco = São
duas e cinco.
Uma e cinco = É uma e cinco.
Cinco para as duas = são cinco para as duas / faltam cinco para
as duas
O
verbo "fazer"
"Faz vinte anos" ou "Fazem vinte anos"?
Como
se deve dizer: "Quando conheci sua prima, eu morava lá há dez
anos" ou "Quando conheci sua prima, morava lá havia dez
anos"?
A
dica para resolver esse dilema é simples: substitua o verbo "haver"
pelo verbo "fazer", pois eles se equivalem quando indicam tempo.
Eu morava lá fazia
dez anos.
Eu morava lá faz dez anos.
Não há dúvida de que a primeira soa melhor. E
isso porque a forma "fazia", do pretérito imperfeito, está em
harmonia com a forma "morava", também do pretérito imperfeito.
Portanto, ao usar o verbo "haver"
naquela mesma situação, ele deve estar no pretérito imperfeito:
Eu
morava lá havia dez anos
Os
tempos verbais devem, portanto, estar em acordo:
moro --> há
moro --> faz
morava --> fazia.
morava --> havia
É assim que exige o padrão formal da língua.
O
verbo "fazer"
"Faz dez anos que eu morava lá" ou "Fazia dez anos que eu
morava lá"?
O "Nossa Língua Portuguesa" fez a
seguinte pergunta às pessoas na rua:
Qual a forma
correta:
"Vai fazer 5 semanas que ela foi embora" ou
"Vão fazer 5 semanas que ela foi embora"?
De
sete pessoas ouvidas, três acertaram.
A forma correta é:
"Vai fazer
5 semanas que ela foi embora".
O
"Nossa Língua Portuguesa" foi às ruas mais uma vez e propôs a
seguinte questão:
"Faz vinte
anos que estive aqui" ou "Fazem vinte anos que eu estive aqui"?
As
opiniões ficaram divididas.
A forma correta, porém, é:
Faz vinte anos que
estive aqui.
O
verbo "fazer", quando indica tempo, não tem sujeito.
Tal não ocorre
com o verbo "passar".
Pode-se e deve-se dizer: "Passaram
dez anos". De fato, os anos passam. Mas não é aceita a construção
"Fazem dez anos".
Nas
locuções verbais em que o verbo "fazer" é associado a outro na
indicação de tempo, o verbo auxiliar também não varia: " Já deve fazer
vinte anos que ela foi embora ".
Está fora de cogitação escrever "Já
devem fazer vinte anos ...". Nesses casos o verbo "fazer" vem
sempre no singular.
Por
fim, em qualquer tempo que seja usado, o verbo "fazer", quando indica
tempo transcorrido, não deve ser flexionado:
Faz dez anos.
Faz vinte dias.
Faz duas horas.
Já fazia dois meses.
Fez cinco meses.
Vamos
a outro exemplo de concordância, tirado da canção "O Poeta Está
Vivo", com o Barão Vermelho:
Se você não pode
ser forte, seja pelo menos humana.
Quando o papa e seu rebanho chegar
não tenha pena:
todo mundo é parecido quando sente dor.
A
letra usa indevidamente o verbo no singular. Se "Papa e rebanho chegam",
a concordância na frase acima deveria ser antes "quando o papa e seu
rebanho chegarem".
Seria bom que ao menos na escrita a concordância verbal fosse observada.
Verbo
antes do sujeito
"faltaram muitos alunos hoje" ou "faltou muitos alunos
hoje"?
É
comum ouvirmos as pessoas dizer "Acabou as ficha",
"Sobrou
quinze",
"Falta dez".
Certo dia estava escrito num jornal de
grande circulação:
"Chegou as tabelas do Mundial". Erro tanto mais
grave porque se trata de língua escrita, em que a concordância merece maior
atenção.
Um
exemplo de concordância verbal corretamente observada acha-se na canção de
Paulinho da Viola "Quando bate uma saudade".
...
Vibram acordes
Surgem imagens
Soam palavras
Formam-se frases...
Nessa
canção, Paulinho da Viola canta com muita clareza frases com os verbos
colocados antes do sujeito, todas com a concordância perfeitamente observada.
Os substantivos estão no plural, os verbos também.
Isso é difícil de ocorrer no nosso dia a dia.
Seja como for, na linguagem
oficial é fundamental estabelecer a concordância:
Acabaram as
fichas.
Acabaram-se as fichas.
Sobraram quinze.
Faltam dez.
Restam vinte.
Partiram todos.
Um
trecho da canção "Música Urbana", do Capital Inicial, traz um verbo
interessante que nem sempre é flexionado corretamente:
Tudo errado, mas
tudo bem.
Tudo quase sempre como
eu sempre quis.
Sai da minha frente, que
agora eu quero ver.
Não me importam
os seus atos
eu não sou mais
um desesperado.
Se eu ando por
ruas quase escuras
as ruas passam
Trata-se
do verbo "importar". O letrista fez a concordância corretamente:
"não me importam os seus atos". Os atos não têm importância, portanto
eles não importam.
Basta fazer concordar verbo e sujeito: Atos
está no plural, então o verbo também deve ficar no plural.
Concordância
com pronome relativo e expressões expletivas
Muitos
dizem "não foi eu" e supõem que esse "foi" vale em qualquer
caso. Não é bem assim.
Para
ilustrar essa questão, tomemos um exemplo retirado da música "Foi Deus que
fez você", de Luiz Ramalho.
Foi Deus que fez o
céu
(...)
Foi Deus que fez você
Foi Deus...
"Foi
Deus que fez". Por que "foi"? Porque Deus é 3ª pessoa, Deus é
igual a "ele" e, portanto, "ele foi".
Mas cuidado: não é cabível dizer "Eu foi". Logo, "não foi
eu" está errado.
O correto é:
Não fui eu.
Não fomos nós.
O
verbo que vem depois da palavra "que" também deve concordar com a
palavra antecedente.
Portanto deve-se dizer:
"Fui eu que fiz" ( eu
fui, eu fiz),
"Fomos nós que fizemos",
"Foram eles que
fizeram".
Outro
caso que costuma causar embaraço é o da expressão expletiva "é que",
expressão fixa.
A canção "Só nós dois", de Joaquim Pimentel,
faz uso dela mais de uma vez.
Só nós dois é
que sabemos
o quanto nos queremos bem
Só nós dois é que sabemos
Só nós dois e mais ninguém...
A
expressão "é que" é inalterável.
Nunca diga:
"São nessas horas
que a gente percebe", mas antes:
Nessas horas é
que a gente percebe.
É nessas horas que a gente percebe.
Trata-se
de uma expressão de realce, que pode também ser eliminada.
Veja os exemplos:
Só nós dois é
que sabemos/Só nós dois sabemos.
É nessas horas que a gente percebe/Nessas horas a gente percebe.
A
expressão "é que", expletiva, pode ser perfeitamente eliminada sem
prejuízo da estrutura frasal.
"40%
dos eleitores preferiram ou preferiu?"
A concordância
verbal que envolve porcentagem deixa muitas pessoas em dúvida.
Para ilustrar
isso, o "Nossa Língua Portuguesa" foi às ruas e formulou algumas
perguntas ao público.
Como se deve dizer: "Pedro ou Paulo será o próximo
presidente da República" ou "Pedro ou Paulo serão o próximo
Presidente da República"?
A maioria das
pessoas acertou. "Pedro ou Paulo será ...". Somente um dos dois será
o próximo presidente da República. O "ou" que aparece na oração é
excludente, indica a exclusão de Pedro ou de Paulo da cadeira de
Presidente
da República. Logo, o verbo fica no singular.
Contudo, se
alguém perguntar sobre sua preferência musical, a resposta poderá ser:
"Tom ou Caetano me agradam". O "ou" presente nessa
oração não é excludente; logo o verbo assume o plural.
Outra pergunta:
"40%
dos eleitores preferiram" ou "40% dos eleitores preferiu"?
A expressão que determina o percentual
está no plural ( "eleitores" ) e então não há outra opção.
O
determinante também pode estar no singular, como na questão seguinte proposta
aos telespectadores:
"40% do
eleitorado preferiu" ou "40% do eleitorado preferiram"?
Muitos acertaram. O termo que se segue ao
percentual é singular; logo o verbo também permanece no singular. A forma
correta é "40% do eleitorado preferiu".
Mas e se não houver
determinante acompanhando a porcentagem?
"40%
preferiu" ou "40% preferiram"?
Como não há nada após a expressão
percentual, vale o número 40, que é plural. Se fosse um número inferior a 2,
então o verbo ficaria no singular.
40%
preferiram.
1% preferiu.
1,8% preferiu.
Fonte: Gramática da Língua Portuguesa - Pasquale Cipro Neto e Ulisses Infante.