terça-feira, 1 de janeiro de 2019


 CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

AOS NOVOS LEITORES

          Nasci em Itabira, Minas Gerais, em 1902, e o meio físico e social de minha terra marcou-me profundamente. Pertenço à classe média brasileira. Ganhei a vida como funcionário público e jornalista. Dediquei-me à literatura por prazer. Hoje que estou aposentado naquelas duas atividades, posso considerar-me escritor profissional, pois a fonte principal do meu sustento resulta do fato de escrever e publicar livros, que o público tem recebido com simpatia.
            Meus livros são de prosa e de poesia. Na primeira categoria, os textos compreendem contos, crônicas e algumas tentativas de crítica literária. Liguei-me na mocidade ao movimento modernista brasileiro, que se afirmou em São Paulo, em 1922, e que deu maior liberdade  à criação poética. Liberdade que não é absoluta, pois a poesia pode prescindir da métrica regular e do apoio da rima, porém não pode fugir do ritmo, essencial à natureza. Há muitas experiências de vanguarda, procurando abolir tudo que caracteriza a arte da poesia, mas ninguém até hoje conseguiu acabar com a melodia e a emoção do verso autêntico.
            Fui muito criticado e ridicularizado quando jovem. O meu poema “No meio do caminho”, composto de dez versos, repete de propósito sete vezes as palavras “tinha” e “pedra”, e seis vezes as palavras “meio” e “caminho”. Isto foi julgado escandaloso; hoje o poema está traduzido em 17 línguas, e me diverti publicando um livro de 194 páginas contendo as descomposturas mais indignadas contra ele, e também os elogios mais entusiásticos. Achavam-me idiota ou palhaço; suportei os ataques porque ao mesmo tempo recebia o estímulo de meus companheiros de geração e de pessoas mais velhas, nas quais depositava confiança, pela capacidade intelectual e pela honestidade de julgamento que as distinguiam.
            Atualmente, a maioria das opiniões é favorável à minha poesia, e direi que há talvez excesso de benevolência com relação a ela. Não tenho pretensão de ser mestre em coisa alguma, e conheço minhas limitações. Depois de praticar a literatura durante mais de 60 anos, publicando 16 livros de prosa e 25 de poesia, não cultivo ilusões, mas continuo acreditando com o mesmo fervor na beleza da palavra e no texto elaborado com arte.
            Acho que a literatura, tal como as artes plásticas e a música, é uma das grandes consolações da vida, e um dos modos de elevação do ser humano sobre a precariedade da sua condição.

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE (*1902 +1987)  


POEMA DE SETE FACES

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.

Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é o meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
Botam a gente comovido como o diabo.

JOSÉ

E agora José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho.
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
 o bonde não veio,
o riso não veio
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
 e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
 seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio – e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?

CIDADEZINHA QUALQUER

Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.

Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.

Devagar... as janelas olham.

Eta vida besta, meu Deus.

 CONFIDÊNCIA DO ITABIRANO

Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.

A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.

De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa...
Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!

 SENTIMENTO DO MUNDO

Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.

Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.

Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.

Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desfiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microscopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer

esse amanhecer
mais noite que a noite.


RECEITUÁRIO SORTIDO

Calma.
É preciso ter calma no Brasil,
calmina
calmarian
calmogen
calmovita.

Que negócio é esse de ansiedade?
Não quero ser ninguém ansioso.
O cordão dos ansiosos enfrentemos:
ansipan!
ansiotex!
ansiex ansiax ansiolax
ansiiopax, amigos!
Serenidade, amor, serenidade.
Dissolve-se a seresta no sereno?
Fecha os olhos: serenium,
serenex...

Dói muito o teu dodói de alma?
Em seda e sedativo te protejas.
Sedax, meu coração,
sedolin
sedotex
sedomepril.

Meu bem, relaxe por favor.
Relaxan
relaxatil.
Batem, batem à porta? Relax-pan.

Estás tenso, meu velho?
Tenso de alta tensão, intensa, túrbida?
Atenção: tensoben
tensocron
 tensocrin
tensik
tensoplisin.


Anda, cai no sono,
amigo, olha o sonix.
Como soa o sonil
sonipan sonotal
sonoasil
sonobel sonopax!

E fique aí tranquilo tranquilinho
bem tranquil
tranquilid
tranquilase
tranquilan
tranquilin
tranquix tranquiex
tranquimax
tranquisan
e mesmo tranxilene!

Estás píssico, talvez,
de tanto desencucarem tua cuca?
Estás perplexo?
Não ouves o pipilar: psicoplex?
psicodin
psiquim
psicobiome
psicolatil?
Não sentes adejar: psicopax?

Então morre, amizade. Morre presto,
morre já, morre urgente,
antes que em drágea cápsula ampola flaconete
proves letalex

mortalin
obituaran
homicidil
thanatex thanatil
thanatipum!


Sorocaba, 1 de janeiro de 2019.
Benedito Pistila


C.E.E.J.A. “PROF. NORBERTO SOARES RAMOS" – SOROCABA – SP

ATIVIDADE: HINO NACIONAL BRASILEIRO NO C.E.E.J.A

I – HISTÓRICO

Hino executado em continência à Bandeira Nacional e ao presidente da República, ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal, assim como em outros casos determinados pelos regulamentos de continência ou cortesia internacional. Sua execução é permitida ainda na abertura de sessões cívicas, nas cerimônias religiosas de caráter patriótico e antes de eventos esportivos internacionais. A música do hino é de Francisco Manuel da Silva e foi inicialmente composta para banda. Em 1831, tornou-se popular com versos que comemoravam a abdicação de Dom Pedro I. Posteriormente, à época da coroação de Dom Pedro II, sua letra foi trocada e a composição, devido a sua popularidade, passou a ser considerada como o hino nacional brasileiro, embora não tenha sido oficializada como tal. Após a proclamação da República os governantes abriram um concurso para a oficialização de um novo hino, ganho por Leopoldo Miguez. Entretanto, com as manifestações populares contrárias à adoção do novo hino, o presidente da República, Deodoro da Fonseca, oficializou como Hino Nacional Brasileiro a composição de Francisco Manuel da silva, estabelecendo que a composição de Leopoldo Miguez seria o Hino da Proclamação da República. Durante o centenário da Proclamação da Independência, em 1922, finalmente a letra escrita pelo poeta e jornalista Joaquim Osório Duque Estrada tornou-se oficial. A orquestração do hino é de A. Assis Republicano e sua instrumentação para banda é do tenente Antônio Pinto Júnior. A adaptação vocal foi feita por Alberto Nepomuceno e é proibida a execução de quaisquer outros arranjos vocais ou artístico-instrumentais do hino.


II – ANÁLISE SEMÂNTICA  E SINTÁTICA

HINO NACIONAL BRASILEIRO

Letra: Joaquim Osório Duque Estrada
Música: Francisco Manuel da silva

I

01 Ouviram do Ipiranga as margens plácidas
02 De um povo heroico o brado retumbante,
03 E o sol da Liberdade em raios fúlgidos,
04 Brilhou no céu da Pátria nesse instante.

Ipiranga: nome do riacho, palavra indígena que significa água vermelha; plácidas: sossegadas, tranquilas: heroico: enérgico, corajoso, próprio de herói; brado: grito de Dom Pedro I; retumbante: estrondoso, que ecoa, que retumba, que se repete com estrondo.

Ordem direta dos versos 01 e 02: As margens plácidas do Ipiranga ouviram o brado retumbante de um povo heroico.
  
05 Se o penhor dessa igualdade
06 Conseguimos conquistar com braço forte,
07 Em teu seio, ó Liberdade,
08 Desafia o nosso peito a própria morte!

penhor: garantia, segurança, objeto que se dá para garantia de uma dívida; em sentido figurado, garantia, prova; com braço forte: com luta; seio: simbolicamente é a fonte de grande amor pela liberdade;  Desafia: enfrenta, não receia.

Ordem direta dos versos 05, 06, 07 e 08: O nosso peito desafia a própria morte, em teu seio, ó Liberdade, se conseguimos conquistar o penhor dessa igualdade com braço forte.

O9 Ó Pátria amada,
10 Idolatrada,
11 Salve! Salve!

versos 09, 10 e 11: saudação ao Brasil.

12 Brasil, um sonho intenso, um raio vívido
13 De amor e de esperança à terra desce.
14 Se em teu formoso céu, risonho e límpido,
15 A imagem do Cruzeiro resplandece.

intenso: enérgico, ativo; vívido: ardente, vivo, luminoso, brilhante; límpido: puro, limpo, desanuviado; resplandece: brilha, fulgura; Cruzeiro: Cruzeiro do Sul: constelação austral (que fica do lado do austro, ou sul), formada de  54 (cinquenta e quatro) estrelas, das quais somente 5 (cinco) são visíveis a olho nu e estão dispostas em forma de cruz.

16 Gigante pela própria natureza,
17 És belo, és forte, impávido colosso,
18 E o teu futuro espelha essa grandeza.

impávido: destemido, que não tem pavor, intrépido, corajoso; espelha: que reflete como um espelho; colosso: gigante (O poeta refere-se ao famoso monumento “Colosso de Rhodes” da Grécia antiga: uma estátua de Hélio, o deus Sol, media 46 metros de altura, toda de bronze e pesava 70 (setenta) toneladas. De pernas abertas, ficava na entrada do Golfo de Rhodes, uma ilha do mar Egeu; a estátua foi destruída por um terremoto em 224 a. C.)

Explicação dos versos: 16, 17 e 18: O autor da letra, Osório Duque Estrada, compara o Brasil a um gigante pela vastidão de sua superfície, pela pujança de sua natureza, pela força inabalável de sua grandeza.

 19 Terra adorada,
20 Entre outras mil,
21 És tu, Brasil,
22 Ó Pátria amada!
23 Dos filhos deste solo és mãe gentil,
24 Pátria amada,
25 Brasil!


Ordem direta dos versos 19, 20, 21 e 22: Tu és terra adorada entre outras mil (terras), Brasil, ó pátria amada!

Explicação dos versos 19, 20, 21 e 22: Entre numerosas nações, nossa Pátria é amada, adorada

Ordem direta dos versos 23, 24 e 25: Brasil, Pátria amada! És mãe gentil dos filhos deste solo.

Explicação dos versos 23, 24 e 25: terra boa, dadivosa, que não nega nada a seus filhos.

II

 26 Deitado eternamente em berço esplêndido,
27 Ao som do mar e à luz do céu profundo,
28 Fulguras, ó Brasil, florão da América,
29 Iluminado ao sol do Novo Mundo!

berço: pátria; esplêndido: cheio de luz, de esplendor, magnífico, admirável, grandioso; fulguras: brilhas - verbo fulgurar (brilhar, cintilar), segunda pessoa do singular; florão: ornato com feitio de flor no centro de um teto = abóbada; Novo Mundo: a América.

Ordem direta dos versos 26, 27, 28 e 29: Ó Brasil, florão da América! (Tu) Fulguras iluminado ao sol do Novo Mundo, deitado eternamente em berço esplêndido, ao som do mar e à luz do céu profundo.
  
30 Do que a terra mais garrida
31 Teus risonhos, lindos campos têm mais flores;
32 “Nossos bosques têm mais vida,”
33 “Nossa vida” no teu seio “mais amores.”

garrida: enfeitada, alegre, elegante.

Ordem direta dos versos 30, 31, 32 e 33: Teus campos risonhos, lindos, têm mais flores do que a terra mais garrida: “nossos bosques têm mais vida”, “nossa vida” (tem) “mais amores” no teu seio.

34 Ó Pátria amada,
35 Idolatrada,
36 Salve! Salve!

Explicação dos versos 34, 35 e 36: o autor da letra repete a saudação ao Brasil.

37 Brasil, de amor eterno seja símbolo
38 O lábaro que ostentas estrelado,
39 E diga o verde-louro desta flâmula
40 Paz no futuro e glória no passado.

lábaro: pendão, bandeira; símbolo: objeto a que se dá uma significação moral, imagem empregada como sinal de alguma coisa; verde-louro: verde-amarelo; flâmula: bandeira.

Ordem direta dos versos 37, 38, 39 e 40: O verde-louro desta flâmula diga: paz no futuro e glória no passado.

41 Mas, se ergues da justiça a clava forte,
42 Verás que um filho teu não foge à luta,
43 Nem teme, que te adora, a própria morte.

clava: pau pesado, mais grosso em uma das extremidades, que se usava como arma; maça; teme: receia.

Ordem direta dos versos 41, 42 e 43: Mas se ergues a clava forte da justiça, verás que um filho teu não foge à luta, nem quem te adora teme a própria morte.

Explicação dos versos 41, 42 e 43: A palavra “clava”, empregada no sentido figurado, significa a força que tem a justiça.

44 Terra adorada,
45 Entre outras mil,
46 És tu, Brasil,
47 Ó Pátria amada!
48 Dos filhos deste solo és mãe gentil,
49 Pátria amada,
50 Brasil!










Benedito Pistila
Sorocaba, 1 de janeiro de 2019.