(Monteiro Lobato)
O colocador de pronomes”
Hei de influir em minha época. Aos tagarelos hei de vencer.
Fogem-me à férula os maraus de pau e corda? Ir-lhes-ei “empós” filá-los pela
gorja... Salta, rumor!
E foi-lhes “empós”. Andou pelas ruas examinando dísticos e tabuletas com vícios de língua. Descoberta a “asnidade”, ia ter com o proprietário, contra ela desfechando os melhores argumentos catequistas.
Foi assim com o ferreiro da esquina, em cujo portão de tenda uma tabuleta – “ferra-se cavalos” – escoicinhava a santa gramática.
-Amigo, disse-lhe pachorrentamente Aldrovando, natural a mim me parece que erre,
alarve que és. Se erram paredros, nesta época de ouro da corrupção...
O ferreiro pôs de lado o malho e entreabriu a boca.
-
Mas da boa sombra do teu focinho espero, continuou o apóstolo, que ouvidos me
darás. Naquela tábua um dislate existe que seriamente à língua lusa ofende.
Venho pedir-te, em nome do asseio gramatical, que o expunjas.
-
???
- Que reformes a tabuleta, digo.
-
Reformar a tabuleta? Uma tabuleta nova, com a licença paga? Estará acaso
rachada?
-
Fisicamente, não. A racha é na sintaxe. Fogem ali os dizeres à sã
gramaticalidade.
O honesto ferreiro não entendia nada de nada.
O honesto ferreiro não entendia nada de nada.
-
Macacos me lambam se estou entendendo o que V. Sª. diz...
-
Digo que está aí uma forma verbal com eiva grave. O “ferra-se” tem que cair no
plural, pois que a forma é passiva e o sujeito é “cavalos”.
O ferreiro abriu o resto da boca.
-
O sujeito sendo “cavalos”, continuou o mestre, a forma verbal é “ferram-se” –
“ferram-se cavalos”.
-Ahn! respondeu o ferreiro,- começo agora a compreender. Diz V. Sª. que...
- ... que “ferra-se cavalos” é um solecismo horrendo e o certo é “ferram-se cavalos”.
-
V. Sª. me perdoe, mas o sujeito que ferra os cavalos sou eu, e eu não sou
plural. Aquele “se” da tabuleta refere-se cá a este seu criado. É como quem
diz: ferra Serafim cavalos. Isto me explicou o pintor, e entendi-o muito bem.
Aldrovando
ergueu os olhos para o céu e suspirou.
-
Ferras cavalos e bem merecias que te fizessem eles o mesmo! ... Mas não
discutamos. Ofereço-te dez mil réis pela admissão dum “m” ali...
- Se V. Sª. paga...
Comentário: O texto nos
mostra a dificuldade de comunicação entre Aldrovando e o ferreiro – utilização
de códigos diferentes. Aldrovando utiliza o padrão culto da língua, enquanto o
ferreiro utiliza a língua apenas como instrumento de comunicação, não se
preocupando com a norma culta. Aldrovando não convence o ferreiro.
Vocabulário:
Férula: palmatória
Maraus: malandros
Pau e cordas: refinados
Empós: atrás
Dísticos: grupo de dois versos; rótulo;
divisa; no texto: letreiro
Filá-los; verbo filar: prendê-los
Gorja: garganta
Paredros: pessoas importantes
Dislate: erro; asneira
Expunjas: verbo expungir: apagues
Eiva: falha
Solecismo: erro de sintaxe
A 18 de abril de 1822, em Taubaté, nasce José Renato
Monteiro Lobato (o segundo nome, depois, foi substituído por Bento) filho de
José Marcondes Lobato e Olímpia Augusta Monteiro Lobato.
Pronominais
(Oswald de Andrade)
Dê-me um cigarro
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Mas o bom negro e o bom branco
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Diz a gramática
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Da nação brasileira
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Do professor e do aluno
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Dizem todos os dias
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E do mulato sabido.
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Deixa disso camarada – Me dá um
cigarro.
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Oswald de Andrade focaliza o mesmo problema – colocação
de pronomes – a existência de uma língua popular e uma língua culta. A língua
popular prevalece no cotidiano.
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