domingo, 13 de novembro de 2016


(Monteiro Lobato)


O colocador de pronomes”


Hei de influir em minha época. Aos tagarelos hei de vencer. Fogem-me à férula os maraus de pau e corda? Ir-lhes-ei “empós” filá-los pela gorja... Salta, rumor!
           
E foi-lhes “empós”. Andou pelas ruas examinando dísticos e tabuletas com vícios de língua. Descoberta a “asnidade”, ia ter com o proprietário, contra ela desfechando os melhores argumentos catequistas.
           
Foi assim com o ferreiro da esquina, em cujo portão de tenda uma tabuleta – “ferra-se cavalos” – escoicinhava a santa gramática.

 -Amigo, disse-lhe pachorrentamente Aldrovando, natural a mim me parece que erre, alarve que és. Se erram paredros, nesta época de ouro da corrupção...

O ferreiro pôs de lado o malho e entreabriu a boca.
- Mas da boa sombra do teu focinho espero, continuou o apóstolo, que ouvidos me darás. Naquela tábua um dislate existe que seriamente à língua lusa ofende. Venho pedir-te, em nome do asseio gramatical, que o expunjas.
- ???
         
- Que reformes a tabuleta, digo.
- Reformar a tabuleta? Uma tabuleta nova, com a licença paga? Estará acaso rachada?
- Fisicamente, não. A racha é na sintaxe. Fogem ali os dizeres à sã gramaticalidade.

O honesto ferreiro não entendia nada de nada.
- Macacos me lambam se estou entendendo o que V. Sª. diz...
- Digo que está aí uma forma verbal com eiva grave. O “ferra-se” tem que cair no plural, pois que a forma é passiva e o sujeito é “cavalos”.
            
O ferreiro abriu o resto da boca.
- O sujeito sendo “cavalos”, continuou o mestre, a forma verbal é “ferram-se” – “ferram-se cavalos”.

-Ahn! respondeu o ferreiro,- começo agora a compreender. Diz V. Sª. que... 
- ... que “ferra-se cavalos” é um solecismo horrendo e o certo é “ferram-se cavalos”.
- V. Sª. me perdoe, mas o sujeito que ferra os cavalos sou eu, e eu não sou plural. Aquele “se” da tabuleta refere-se cá a este seu criado. É como quem diz: ferra Serafim cavalos. Isto me explicou o pintor, e entendi-o muito bem.

Aldrovando ergueu os olhos para o céu e suspirou.
- Ferras cavalos e bem merecias que te fizessem eles o mesmo! ... Mas não discutamos. Ofereço-te dez mil réis pela admissão dum “m” ali...
- Se V. Sª. paga...



Comentário: O texto nos mostra a dificuldade de comunicação entre Aldrovando e o ferreiro – utilização de códigos diferentes. Aldrovando utiliza o padrão culto da língua, enquanto o ferreiro utiliza a língua apenas como instrumento de comunicação, não se preocupando com a norma culta. Aldrovando não convence o ferreiro.



Vocabulário:

Férula: palmatória
Maraus: malandros
Pau e cordas: refinados
Empós: atrás
Dísticos: grupo de dois versos; rótulo; divisa; no texto: letreiro 
Filá-los; verbo filar: prendê-los
Gorja: garganta
Paredros: pessoas importantes
Dislate: erro; asneira
Expunjas: verbo expungir: apagues
Eiva: falha
Solecismo: erro de sintaxe

A 18 de abril  de 1822, em Taubaté, nasce José Renato Monteiro Lobato (o segundo nome, depois, foi substituído por Bento) filho de José Marcondes Lobato e Olímpia Augusta Monteiro Lobato.
 


Pronominais (Oswald de Andrade)


Dê-me um cigarro
Mas o bom negro e o bom branco
Diz a gramática
Da nação brasileira
Do professor e do aluno
Dizem todos os dias
E do mulato sabido.
Deixa disso camarada – Me dá um cigarro.

Oswald de Andrade focaliza o mesmo problema – colocação de pronomes – a existência de uma língua popular e uma língua culta. A língua popular prevalece no cotidiano.





13 de novembro de 2016

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